O Brasil convive com uma contradição que já não pode ser ignorada. Enquanto milhões de brasileiros enfrentam algum grau de insegurança alimentar, toneladas de alimentos em perfeitas condições continuam sendo descartadas ao longo da cadeia de produção e distribuição. Essa assimetria evidencia a necessidade de políticas públicas modernas, eficazes e orientadas para resultados concretos.
Nesse contexto, o país deu um passo importante: o Congresso Nacional aprovou, por ampla maioria, o Projeto de Lei nº 2.874 de 2019, transformado na Lei 15.224 de 2025, que institui a Política Nacional de Combate à Perda e ao Desperdício de Alimentos. Trata-se de uma medida estruturante, resultado de debates qualificados, participação do setor produtivo, de organizações sociais e de especialistas em segurança alimentar e nutricional, além do comprometimento de parlamentares que atuam na agenda do combate à fome. A nova legislação estabelece um marco regulatório inédito, que fortalece a segurança jurídica, padroniza procedimentos e orienta a ação dos diversos atores envolvidos na doação de alimentos em todo o território nacional.
Os avanços são expressivos. A lei determina que apenas alimentos adequados ao consumo e dentro do prazo de validade possam ser doados, garantindo padrões rígidos de qualidade e segurança sanitária. Institui mecanismos de rastreabilidade, boas práticas de manipulação e monitoramento técnico, além de instrumentos de reconhecimento público, como o Selo Doador de Alimentos. Ao fazer isso, o Brasil consolida um modelo alinhado às melhores práticas internacionais e cria condições para transformar o combate ao desperdício em política pública permanente, transparente e integrada.
Entretanto, para que essa política seja plenamente efetiva, é necessário corrigir uma limitação existente há três décadas: o teto de 2% para dedução da CSLL e IRPJ aplicável às empresas que realizam doações (Lei nº 9.249/1995, art. 13, § 2º, inciso III). Esse limite, estabelecido no passado, em um contexto econômico distante do atual, tornou-se insuficiente e, na prática, inibiu a participação de pequenas e médias empresas, que representam parcela significativa da cadeia produtiva e do varejo nacional. O Parlamento atuou para ajustar essa distorção ao elevar o limite para 5% para as doações de alimentos, mantendo regras rigorosas, controles auditáveis e total transparência.
O Veto 35/2025, entretanto, suprimiu exatamente esse ponto central do texto aprovado. Sem o incentivo fiscal responsável, limitado e monitorado, a política pública perde eficiência e alcance. O veto enfraquece o objetivo original da lei, que busca ampliar o volume de alimentos destinados à doação, reduzir perdas e criar condições estruturais para que o país enfrente o desperdício de forma sistêmica. É importante ressaltar que esse dispositivo não representa renúncia fiscal líquida. Ao contrário, ao permitir que alimentos antes contabilizados como perda ou “quebra” passem a ser utilizados de forma regular e transparente, o mecanismo amplia a base econômica formal, gera maior rastreabilidade e tende a aumentar a arrecadação ao longo da cadeia. O incentivo fiscal não reduz receitas existentes; ele converte desperdício em valor social e econômico, fortalecendo o papel do Estado e da sociedade no combate à insegurança alimentar.
Por essa razão, este manifesto reforça a necessidade de derrubada do Veto 35/2025. A medida não busca beneficiar empresas, mas assegurar que uma política pública estruturante, concebida para o interesse coletivo, tenha condições reais de produzir os resultados esperados. A ampliação do limite de dedução fiscal, moderada, controlada e tecnicamente fundamentada, não implica perda efetiva de receita, mas sim o fortalecimento de uma rede nacional de doação capaz de transformar excedentes em segurança alimentar. Cada avanço na capacidade de doação representa mais alimentos disponíveis, maior eficiência no combate ao desperdício e uma proteção social ampliada para famílias em situação de vulnerabilidade.
A insegurança alimentar exige respostas consistentes, integradas e baseadas em evidências. O fortalecimento da Política Nacional de Combate à Perda e ao Desperdício de Alimentos é uma dessas respostas. Por isso, conclama-se o Congresso Nacional a derrubar o veto e restabelecer o texto aprovado, garantindo condições reais para que essa legislação produza os efeitos esperados e contribua para enfrentar um dos desafios humanitários mais urgentes do país.
Derrubar o Veto 35 é reafirmar o compromisso institucional com a eficiência das políticas públicas, com a redução do desperdício e com a promoção da dignidade alimentar. É assegurar que o Brasil avance de modo consistente na construção de soluções estruturais para a fome e para o uso responsável dos recursos disponíveis. É, em última instância, garantir que uma lei criada para servir à sociedade cumpra integralmente sua função.
Assinam: ABAD, ABAG, ABIA, ABIC, ABICAB, ABIMAPI, ABIR, ABPA, ABRALATAS, ABRALOG, ABRAS, ABRASEL, AFRAC, ANAMACO, ANDAV, ANR, CACB, CNDL, FCS, FPE e UNECS.





